quinta-feira, 6 de maio de 2010

SÍNDROME DO "CINTO BRANCO"

Em relação ao que costumo sempre de dizer:
A discussão de estilos de combate e artes marciais melhores e piores é coisa de iniciados, inexperientes, egocêntricos, profissionais do marketing ou facciosos.

Existem casos destes em todo o lado, desde o Karate, Kickboxing, jiu-jitsu etc... E esse tipo de individuos têm tendência a comparar "estilos" e dizem que o "estilo" deles é melhor e mais eficaz etc blá blá blá... e muitos querem apenas pôr-se à prova contra outros praticantes de outras modalidades, ou ainda pior, contra alguém inferior a eles... Isso é o que se costuma chamar (brincadeira) de SÍNDROME DO CINTO BRANCO, pois normalmente esse tipo de atitudes são coisa de iniciados nas artes marciais, inexperientes, facciosos ou egocêntricos.

Pois bem, o que quero dizer com isto, é que a maioria do pessoal que me aborda (principalmente falando dos inexperientes) a dizer que quer praticar "Ultimate Full-Contact", vem com uma ideia "errada" do que vão praticar, muitas vezes por verem muitos "filmes" e combates do UFC na televisão, e pensam que vão começar a praticar com "licença para matar" e arrancar cabeças.

Esquecem-se que um treino é um TREINO, que têm de usar protecções que evitem lesões e complicações futuras para a vida. Uma situação absurda que já me aconteceu, foi um "curioso", ter o descaramento de dizer que "queria experimentar combater", quando nem sequer era um aluno inscrito nem possuia seguro desportivo... :)

Chegam cheios de vontade  e garra de "dar porrada", como já ouvi de outro fulano, mas depois apercebem-se de que existem "cães com dentes maiores" do que os deles e depressa aprendem uma valiosa lição para a vida.

Os "valentões" ou "curiosos" raramente são humildes, aparecem nos treinos de pára-quedas, com o peito inchado, começam a perturbar os treinos de outros iniciados e a mandar bocas... mas quando se topam estes tipos, a festa começa...
Nada como fazer sparring com os mais experientes...
Levar umas "porradas" no nariz, é óptimo para ganhar um pouco de humildade.
Respeito é adquirido com tempo e com atitude. Quem dá recebe, quem merece ganha.
Respeito é pra quem tem, e quem tem com certeza fez por merecer...

Nós, Treinadores, Instrutores, Mestres etc, temos de acordar os "novatos" para a realidade, pondo esses "pseudo-valentões" contra um tipo experiente que bata forte, que mal sentem que estão a "apanhar", já estão a desistir. Depois, ou mostram que realmente querem aprender e continuam a ir aos treinos, mas com uma atitude renovada e humilde, ou como bons cobardes que são, desistem (90% dos casos).

O que também é engraçado estes números de desistências, porque por mês, vêm sempre umas 5 caras novas, quando o treino começa a ficar mais pesado, desses 5, fica um.. se sobrar...Todos os outros desistem.
 
Isto tudo a propósito de um Post que li no fórum MMA, onde mostra que todos nós, praticantes de Artes Marciais, enquanto inexperientes, temos ou tivemos este tipo de "síndrome" de "sabichão / valentão" e que não sendo controlado, pode trazer complicações para a vida...
 
Ora leiam se estiverem interessados:
 
"...quero sim, relatar a minha opinião acerca de um fenómeno que se apossa de muitos iniciados na arte do jiu jitsu brasileiro... uma espécie de síndrome que se apossa dos praticantes e os faz agir de maneiras irregulares e bizarras!


Para isso basta observar com atenção os praticantes de jiu jitsu com faixa branca ao fim de alguns meses de práctica no ginásio...os meninos a quem foi forçada a humildade a quando da entrada no jiu jitsu, com algum treino regular, já começam a dominar uma ou outra técnica básica e então é nessa altura que essa doença misteriosa começa a mostrar os seus efeitos sob a forma de uma ligeira mas crescente arrogância em relação sua suposta superioridade sobre os outros estilos e pessoas. O faixa branca começa a sua fase de "medição" de tudo e todos e uma vivência sob a idéia de que pode deitar abaixo qualquer pessoa sem problemas e dominá-la com toda a facilidade. O afectado pela doença arranja discussões retóricas com os practicantes de karaté, com o pessoal do Muay Thai, arranjam confusão com os gajos do judo e assim em frente, sempre armados com frases chavão lidas em algum lado, ditas por um instructor ou instigadas por alguma sub-cultura masculina! Eles são o que os americas chamam de "nuthuggers", aqueles que sem nenhuma verdadeiro espírito crítico ou aceitação da divergência de opiniões se limitam a agarrar a uma opinião do modo mais obstinado que o ser humano consegue! São eles que alimentam a idéia de que o jiu jitsu pode tudo contra todos, quando a experiência do dia a dia nos mostra que não é bem assim...são eles que acham que a solução para tudo e para todos é o jiu jitsu e que contra o nosso "sol" ninguém consegue manter os olhos abertos. Pois sim...

Este síndrome é uma realidade mais constatável nos iniciantes da arte do que aquilo que se possa imaginar, eu próprio já fui vítima desta doença silenciosa uma ou duas vezes, embora tenha practicado artes muito conhecidas pelas sua eficácia...foi simplesmente como se a verdade absoluta se tivesse apresentado perante mim em todo o seu esplendor e eu ficasse pasmo pelo facto de outros não o compreenderem. Sim...é cromo sim, mas eu passei por uma fase de total credo nas capacidades sobre-humanas do jiu jitsu perante os outros estilos! Estar a ver o K-1 e achar que poderia desviar me de um high kick supersónico e botar para baixo para ai poder fazer a minha magia e estrangula-lo como uma galinha! Ou achar que poderia fazer uma kimura em pé ao porteiro ou mitra que me barrou a porta à entrada da discoteca...são estas algumas das fantasias que passam na cabeça dos malucos do jiu jitsu(eu incluido).

Mas eu tenho a certeza que deve haver muita gente por aí que sofre deste complexo de superioridade que se apossa dos faixas brancas no primeiro ano...muitos deles nem se aperceberão do mesmo e outros nem irão admitir que eles próprios talvez sejam vítimas disto mesmo, limitando se a rir daquilo que eu escrevo aqui. Senão me engano foi o Hélio Gracie que uma vez disse compreender porque é que os jovens às vezes ficavam brigões no início do estudo do jiu jitsu...era o simples facto de estarem a aprender algo tão eficaz e natural e que lhes permitia obter uma vantagen imediata sobre outros desde o dia um. (Se alguém souber a citação certa diga me) . Os novos estudantes aprendem coisas eficazes com uma mecânica de aprendizagem imediata, a raspagem tesoura funciona, o triângulo funciona, o armlock na guarda funciona, o mata-leão funciona, a chave de braço na montada funciona e assim os meninos e meninas armados com estas técnicas tão eficazes comportam se como se outros indivíduos não possuíssem soluções para estas nossas acções! Um exemplo extremo disso são os "pittboys" que se divertem a sair à noite em zonas de diversão noturna e arranjar confusão com trausentes e patronos que só lá estão para beber um copito e dar ums beijos na namorada. Os meninos aparecem com as suas camisetas do jiu jitsu e musculos esteroizados, adicionam se os pittbulls e a vontade de demonstrar o aprendido na aula e temos receita para a desgraça. Segundo muitos relatos estes rapazes sovam cobardemente as pessoas e inutilizam-nas com golpes do jiu jitsu...mas muitas vezes estes meninos não passam de novatos na arte, faixas brancas que aprenderam 2 ou três técnicas e que mesmerizados com a sua eficácia correm para a rua experimentar com os outros "meninos". Basta lembrarem se de quando viam filmes de kung fu e depois de sair do cinema iam a oferecer porrada a tudo o que fosse candeeiro, cão e irmão mais novo que passasse pelo vosso caminho! São assim estes meninos...

Normalmente isto passa à medida que evoluimos como lutadores/praticantes e começamos a ver as falhas na estratégia do nosso amado jiu jitsu, ou apercebemo-nos disso na realidade do "ringue" do dia a dia(luta de rua) ou no ringue de mma, apercebemo-nos dos nossos pontos fracos e dos nossos pontos fortes e evoluímos como lutadores ao aceitarmos que há lacunas que podem ser preenchidas com ferramentas de outras artes ou estilos. Basta ver a evolução do jiu jitsu no cenário do mma, de lutadores que entravam na jaula armados apenas com o seu repertório de chaves e estrangulamentos para os lutadores actuais que para além do bjj, têm treino de wrestling, boxe e Muay Thai para poderem ser lutadores completos em todos os aspectos da luta. Após este "reality check" o estudante/lutador acaba por aceitar as falhas do estilo e treinar com mais descontração as suas técnicas e estratégias, sem o ego a atrapalhar e apenas armado com a uma boa vontade genuína de ser bom no que se propõem...esta é a minha opinião, o que acham? Há ou não um "síndrome de faixa branca"?"

domingo, 2 de maio de 2010

CONSIDERAÇÕES JURÍDICAS SOBRE LEGÍTIMA DEFESA NO USO DAS ARTES MARCIAIS

ADVERTÊNCIAS

Nunca é demais lembrarmos que as Artes Marciais e Desportos de Combate são disciplinas que têm como objectivo melhorar a condição física, mental e espiritual dos praticantes e jamais sairão deste contexto, pelo qual não serão tolerados por parte das nossas organizações quaisquer actos de violência perpetrados pelos praticantes.

O uso de eventuais técnicas usadas para fins que não sejam os objectivos desportivos a que se destinam, fora e dentro das nossas instalações, por praticantes, leitores ou simpatizantes deste tipo de modalidade, serão situações fora do nosso controlo e serão actos punidos pela Lei vigente no código penal português.

Responsável:
Ricardo Silva

CONSIDERAÇÕES JURÍDICAS SOBRE LEGÍTIMA DEFESA NO USO DAS ARTES MARCIAIS

É inquestionável e indiscutível, que uma das finalidades das artes marciais, a par do desenvolvimento interior e espiritual do indivíduo que as pratica, e às quais elas estão associadas, é a de possibilitar ao artista marcial enquanto indivíduo livre e criador, a obtenção de técnicas de defesa pessoal que lhe permitam fazer face a uma agressão. Logo tendo este pensamento presente, devemos saber qual a posição da lei e do ordenamento jurídico enquanto sistema regulador de conduta social, relativamente à problemática das artes marciais no conceito de Legítima Defesa.


A ordem jurídica Portuguesa, no que se refere à Legítima Defesa (L.D.), pune as agressões cometidas sobre terceiros, como um reflexo da boa convivência e segurança em sociedade.

O respeito ao próximo e a tolerância são valores que devemos defender, daí que a sociedade através da lei pune quem comete agressões, que vão desde a injúria verbal, passando pela ofensa à integridade física, até ao homicídio.

Como é de conhecimento geral, os cidadãos não devem tomar como responsabilidade sua a aplicação do poder punitivo, pois este é um poder que pertence ao Estado, que o exerce através das suas forças policiais e militares, de forma a evitar abusos e injustiças de terceiros sobre os cidadãos inocentes.

No entanto, por vezes, a realização imediata desse poder punitivo que é exclusivo do Estado, não é possível, assim como por vezes, se deve agir de uma forma imediata para se repelir uma agressão sobre pessoas ou bens, é nestas situações em concreto que surge a figura da L.D., ou seja quando o indivíduo se depara com uma situação em que está perante uma agressão, ou que esta é iminente e não existe qualquer força policial ou militar, por perto que possa conter essa agressão, é lícito ao indivíduo actuar de acordo com os seus próprios meios e capacidades para repelir essa mesma agressão.

A L.D. é de acordo com o anteriormente exposto uma causa de exclusão da ilicitude e está prevista nos artigos 31º a 33º do Código Penal.

Considera-se causa de exclusão da ilicitude no sentido em que a ordem jurídica não pune certos actos, que poderiam ser tomados como agressões e que como tais, puníveis, desde que se enquadrem em determinados pressupostos e requisitos.

A L.D. está prevista no artigo 32º do Código Penal “ Constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiros “, este artigo estabelece certos requisitos que são essenciais para se poder actuar em L.D. assim:

1- Os interesses juridicamente protegidos – só se deve actuar para proteger um direito que é protegido pela ordem jurídica no seu conjunto, ou como sistema unificado de normas jurídicas. Considera-se como tal a vida, a honra, a saúde, etc...


2- A agressão deve ser actual – isto significa que a agressão tem de estar a acontecer ou que tem de ser iminente, e essa agressão é de tal modo intensa que deve ser repelida (A L.D. não se restringe só à violência física, mas sim também à violência verbal, psicológica ou espiritual).


3- A impossibilidade de recurso ás forças de segurança – isto significa que devemos estar impossibilitados de recorrer à polícia.


4- A ilicitude da agressão – esta significa que é uma agressão que pretende violar, direitos pessoais ou patrimoniais do indivíduo ou de terceiros, direitos estes que são legalmente protegidos pela ordem jurídica.

Estando definido o âmbito e o alcance do conceito de L.D. importa agora salientar um aspecto que se prende com esse conceito e que está directamente relacionado com a prática das artes marciais e que é o excesso de legítima defesa, este assunto é particularmente importante e todos os praticantes de defesa pessoal e artistas marciais devem estar sensibilizados para este tema, pois se uma agressão pode ser justificada através dos requisitos que foram enunciados anteriormente, se esses requisitos forem ultrapassados ou excedidos essa agressão anteriormente justificada e lícita, passa a ser ilegal e ilícita, revelando neste aspecto uma particular importância a questão da proporcionalidade dos meios empregues.

Um cidadão praticante de Artes Marciais, seja ele de que arte ou estilo for, deve ter a preocupação de NUNCA exceder os limites do que é razoável e proporcional, quando actua numa situação de confronto, pois é essa a linha que separa o que é lícito do ilícito, em termos legais numa agressão, a proporcionalidade assume pois uma especial relevância pois é esta que vai inconscientemente indicar ao artista marcial, qual a técnica a utilizar perante uma determinada agressão, para que essa mesma agressão esteja abrangida no âmbito da L.D. caso isto não suceda, ou seja a actuação proporcional à agressão sofrida, caímos no âmbito do excesso de legítima defesa que é ilegal e que não exclui a ilicitude.

O excesso de L.D. está previsto no artigo 33º do Código Penal, e o nº 1 deste artigo, abrange o chamado excesso intensivo de meios usados, que sucede, quando alguém agride violentamente outrem por uma injúria, ou seja esta situação caracteriza-se por uma desproporcionalidade efectiva do meio utilizado, para repelir uma agressão (a um crime de injúrias, o ofendido não vai actuar de forma a provocar-se um crime de ofensas corporais, pois isto seria extremamente excessivo e desproporcional).

O nº2 do artigo 33º refere-se à defesa realizada, nos chamados estados asténicos (perturbação, medo ou susto) o que se implica que, se a defesa for efectuada sob qualquer um destes estados de pressão emocional ou psicológica, quem actua mesmo que utilize um meio não adequado ou desproporcional, não será legalmente punido, ou seja qualquer defesa efectuada sob o efeito de um destes estados será sempre considerada lícita e excluíra a ilicitude.

Deste último aspecto resulta igualmente que, só poderá agir com L.D. um indivíduo que não tenha provocado essa agressão, porque se a agressão for provocada por quem se defende estará a agir de uma forma ilegal.

Após a análise de todos os requisitos que de acordo com o Código Penal, nos permitem falar sobre L.D. face a uma agressão, a conclusão a que podemos chegar é que um cidadão que utiliza os seus conhecimentos de autodefesa para repelir uma agressão ilegal, contra a sua própria pessoa ou bens, ou contra terceiros e respectivos bens, está legitimado para utilizar as suas técnicas e adaptá-las ao tipo de agressão que está a sofrer, isto para não vir ele a ser acusado de agressão. E considerando que algumas técnicas são susceptíveis de causar a morte ou graves danos, estas apenas devem ser utilizadas em casos extremos, em que está efectivamente ameaçada a nossa própria vida, para que possamos através da nossa actuação estarmos isentos de responsabilidades de nível legal.

Assim e tendo em conta que a prática das artes marciais proporciona ao seu praticante o uso das suas armas naturais, que deve e pode empregar frente a uma agressão, deve-se ter consciência que a sua utilização deve ser sempre feita de uma forma racional, adequada e proporcional face ás circunstâncias da agressão.

Em conclusão, importa apenas referir que um artista marcial sério e experiente, dispõe não só de um grande número de técnicas de defesa pessoal ao seu dispor, que lhe permitem ter mais hipóteses de sobreviver a uma situação de conflito, como também detém uma maior confiança e segurança em si próprio, obtidas através do seu treino, quer no plano físico e técnico, quer no plano espiritual e filosófico, que lhe permitem responder de uma forma proporcional e adequada, face a uma agressão ilegítima contra ele efectuada.


Dr. Duarte Laja
(Jurista e Artista Marcial)